Além do Cidadão Kane

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Cesare Battisti: quando o governo brasileiro é exemplo de democracia

Em decisão corajosa e coerente com seus princípios democráticos e progressistas, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Justiça do Brasil, concedeu asilo político a Cesare Battisti, ex-militante do movimento italiano dos anos 1970.

Como o próprio Ministro Tarso Genro declarou, trata-se de decisão jurídica que considera o estatuto político da perseguição da qual é objeto um ex-militante, mais de 30 anos depois dos acontecimentos pelos quais foi condenado em julgamento sumário, sem direito a plena defesa e por sentença baseada unicamente em informação obtida por "delação premiada". Naquele julgamento e sob essas condições, um acusado de crimes políticos foi condenado a pena de prisão perpétua (que, inclusive, não é admitida pela Constituição Brasileira).

A decisão do governo brasileiro é ato de justiça, que reconhece e reafirma, ao mesmo tempo, jurisprudência relativa a pedidos de extradição de outros ex-militantes italianos – extradição que o STF nunca concedeu, reconhecendo a dimensão política dos atos acusatórios.

A concessão de asilo político a esse ex-militante respondeu também às demandas de amplo movimento de solidariedade, que mobilizou vasta rede internacional de intelectuais, partidos políticos e movimentos sociais em todo o mundo. No Brasil, o asilo para Cesare Battisti foi pedido pelo MST, Via Campesina, por ONGs e vários segmentos da sociedade civil e por figuras políticas, dentre as muitas, o Senador E. Suplicy e o Deputado F. Gabeira.

A grande mídia brasileira — sem que se entenda por quê — empenha-se em amplificar e dar voz ao ponto de vista do governo italiano. Curiosamente, diante dessa decisão do Ministro Tarso, a grande mídia brasileira tem assumido posição diametralmente oposta à que teve quando o mesmo Ministro pediu a revisão da Lei (brasileira) de anistia para a tortura praticada durante o regime militar. Paradoxalmente, para a grande mídia brasileira, a tortura da ditadura faz parte do passado e deve ser esquecida, enquanto a luta armada de esquerda deve ser objeto de uma persecução perpétua.

É de estranhar-se muito essa 'adesão' monolítica da grande mídia brasileira ao ponto de vista do governo italiano, posto que a posição do governo italiano manifesta acentuado tom neocolonial e eurocentrista (para não dizer pior), que visa a desqualificar a decisão democrática do governo do Brasil, tomando-o como governo dito "periférico", a ser desqualificado por ter "ousado" tomar decisão política independente.

Não se ouviu o mesmo tom por parte do governo Berlusconi quando, muito recentemente, o Presidente francês Sarkozy negou-se a extraditar Marina Petrella, ex-militante das Brigadas Vermelhas.

Se outros motivos não houvesse para qualificar como democrática e progressista a decisão do governo brasileiro, basta considerar a reação do governo Berlusconi, e facilmente se perceberá a justeza e o equilíbrio democráticos da decisão do governo brasileiro.

O revanchismo punitivo com relação à década revolucionária de 1970, na Itália, não é democrático e é retrocesso político. Esse mesmo movimento de retrocesso antidemocrático, na Itália, já levou um ex-fascista (Alemanno) à Prefeitura da capital (Roma) e um pós-fascista (Fini) à presidência do Congresso (Câmara dos Deputados). Ao mesmo tempo, o mesmo movimento de revanchismo punitivo tem determinado o desaparecimento da oposição parlamentar.

Mais preocupante, contudo, é ver que hoje, na Itália, ressurge a política fascistizante de discriminação dos migrantes estrangeiros. Essa política já está levando à multiplicação de atos racistas. A Itália, país de emigração, de onde vieram centenas de milhares de imigrantes para o Brasil, está se transformando em pesadelo para milhões de trabalhadores estrangeiros ou italianos não brancos. A Itália foi onde se viu a mais violenta e vergonhosa repressão às manifestações populares contra o G8, em Genova.

A perseguição aos militantes políticos de ontem é parte do movimento para calar as vozes democráticas de hoje. Não por acaso, o prefeito (pós)fascista de Roma, Alemanno, acaba de declarar que "o movimento estudantil italiano (seria) dirigido por 300 crimininosos da universidade La Sapienza".

APOIAMOS a decisão do governo brasileiro no caso Battisti, porque apoiamos a solução política e jurídica para as questões da década de 1970 (a anistia) na Itália.

APOIAMOS a decisão do governo brasileiro no caso Battisti, também, porque estamos preocupados o crescimento da xenofobia, do racismo e dos processos de criminalização da oposição política, que se constata na Itália de Berlusconi e em quase toda a Europa.
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Esse texto remete a um abaixo-assinado de apoio ao Ministério da Justiça do Brasil, por ter concedido asilo político a perseguido político. Se lhe parecer adequado, encaminhe mensagem para Caia Fittipaldi (caia.fittipaldi@uol.com.br) e ACRESCENTE O SEU NOME.
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ASSINAM
Augusto Boal – Diretor artístico do Centro do Teatro do Oprimido
Emir Sader – Professor UERJ
Marcelo Cerqueira – Advogado
Oscar Niemayer – ArquitetoLeandro Konder – Filósofo
Paulo Saboia – AdvogadoRenato Guimarães – Editor
Nilo Batista – Professor UFRJ
Emerson Elias Merhy – Médico sanitarista, prof. aposentado da Unicamp
Peter Pal Pelbart – PUC-SP
Vera Vital Brasil – Tortura Nunca Mais Rio de Janeiro
Paulo Henrique de Almeida – Professor UFBa
Daniel Aarão Reis – Professor UFF
Antonio Lancetti – Psicanalista
Arnaldo Carrilho – Embaixador e homem de cinema
Pablo Gentili – Professor UERJ
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Publicado em Vermelho
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