Além do Cidadão Kane

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Episódio na Suiça esquenta debate sobre racismo europeu

As investigações, desde que independentes, sobre a agressão sofrida pela brasileira Paula Oliveira na Suiça devem confirmar se a versão da vítima é falsa ou verdadeira, mas enquanto não surge uma explicação convincente para o caso, é legitimo que se debata o aumento do racismo na Europa. Muitos são os indícios de que a xenofobia, sempre presente no comportamento dos grupos de direita, esteja contaminando setores mais amplos, tornando-se mais agressiva e conquistando a simpatia de alguns governantes, como o direitista Silvio Berlusconi, da Itália.
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Segundo reportagem da revista Carta Capital, há sinais de conivência do poder local Suiço com os supostos criminosos que teriam atacado a brasileira Paula Oliveira. Os policiais que atenderam Paula tentaram intimidá-la, dizendo ser a única responsável por sua versão. A cônsul do Brasil, Victoria Cleaver, foi destratada pela polícia, que a mandou falar com a vítima se quisesse informações. A advogada foi ameaçada por um investigador: “Se você estiver mentindo, poderá ser presa”. O próprio chanceler Celso Amorim precisou somar-se à pressão por uma investigação do caso.
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Em 1º de fevereiro, três italianos, de 29, 28 e 16 anos espancaram e queimaram com gasolina um mendigo indiano em Nettuno, perto de Roma. Segundo a polícia, não foi um ato racista: fizeram isso “para divertir-se”.
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No dia 5, o Senado italiano aprovou uma “Lei de Segurança” que, além de criminalizar os imigrantes ilegais e estimular médicos a denunciá-los, legaliza as “rondas padanas”, milícias organizadas pelos racistas da Liga Norte para intimidar estrangeiros, responsáveis por agressões similares, inclusive o roubo, tortura e estupro de ciganas em Monza, Lecco e Varese de 2005 a 2007 e o incêndio de um acampamento cigano em Milão em 2007. No dia 2, insensível a tudo isso, o ministro italiano do Interior, Roberto Maroni, declarara que “para lutar contra a imigração ilegal e os males que traz, precisamos ser maus”.
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Como nos anos 30, a estagnação prolongada, o desemprego e a crise econômica chocaram o ovo da serpente. O fascismo está de volta e não mais apenas nas margens da sociedade europeia, mas em seu próprio cerne.
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Especialistas minimizam onda xenófoba
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Questionados sobre esta nova onda xenófoba, alguns acadêmicos europeus buscam minimizar a extensão do problema. Em declarações ao portal Terra, especialistas em racismo e xenofobia na Europa negaram que o continente esteja vivenciando uma explosão de preconceito contra estrangeiros. Atos pontuais, afirmam, não significam que o problema seja maior hoje do que já fora há 50 anos, ao mesmo tempo em que as diferenças nos mecanismos de controle das estatísticas em cada país impossibilitam, atualmente, qualquer comparação provando que a Europa está mais avessa aos imigrantes.
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"Quando acontecem casos isolados, a indignação geral da população dá a impressão de que o problema está cada vez pior. Mas um caso único não é representativo, e hoje não existem elementos concretos que provem o aumento dos casos de xenofobia e racismo", afirma Nonna Mayer, diretora de pesquisas do Centro de Pesquisas Políticas da Sciences Po, especialista em extrema direita, racismo e anti-semitismo e integrante do Grupo de Estudos Europeus sobre o Racismo e a Xenofobia. "É preciso diferenciar ameaça de violência, assim como indivíduo de grupo. Enquanto partidos de extrema-direita pregam a expulsão dos estrangeiros e skinheads picham frases racistas em muros ou batem em uma pessoa, não vivemos um momento de violência xenófoba contra os imigrantes. Não se pode, de forma alguma, generalizar".
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Para Mayer, a ausência de dados coordenados sobre o assunto entre os países europeus torna impossível qualquer comparação sobre onde existe mais preconceito, e o problema só pode ser analisado nacionalmente. "Por exemplo, sabemos que o preconceito contra islâmicos vem aumentando na França. No entanto, isso não representa que os atos de violência contra os árabes também sejam em maior número".
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A Agência Européia dos Direitos Fundamentais, responsável pelas questões de xenofobia em nível europeu, também se recusa a estabelecer um paralelo entre os países. "Alguns países demonstram bem mais interesse em analisar os problemas de preconceito do que outros, e por isso o nível de detalhes nos estudos de um é bem maior do que os de outros. O Reino Unido, por exemplo, é um dos que mais revelam querer combater o racismo e a xenofobia, enquanto que os países do leste ainda não têm muita consciência sobre a importância destes estudos", analisa Waltraud Heller, porta-voz da agência, na Áustria.
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Crise aumentou o problema
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Ao mesmo tempo em que buscam amenizar o problema, os especialistas confirmam que a crise econômica, conforme Heller, também provoca um aumento pontual das ocorrências de aversão a estrangeiros, uma vez que os próprios governos começam a adotar medidas protecionistas para conter os efeitos turbulência. O exemplo mais recente é a greve "anti-estrangeiros" dos trabalhadores de uma refinaria inglesa, ocorrida na semana passada. Depois de uma semana de mobilizações - em uma greve que acabou motivando os empregados de outras 20 empresas do país -, os funcionários da empresa Total em Lindey conseguiram que a direção reservasse 50% das vagas para os ingleses.
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Em dezembro, a Espanha, fortemente afetada pela crise, também registrou incidentes de xenofobia. "É claro que um momento econômico delicado causa imediatamente repúdio a tudo aquilo que possa parecer uma ameaça. Mas tão logo as coisas voltarem ao normal, todas essas demonstrações de preconceito também voltarão aos seus níveis habituais em cada país".
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Além disso, diz Heller, o fato de a mídia repercutir cada vez mais os casos de ataques de neonazistas contribuem para dar a impressão de que a Europa está mais preconceituosa. "Há 15 anos, ninguém falava disso, e hoje não apenas se fala bastante como o próprio debate pela busca de soluções suscita a dúvida quanto ao problema estar maior ou não".
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Alemanha tem encontro neonazista
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Neste sábado, seis mil membros da extrema-direita alemã são aguardados para o encontro anual dos neonazistas em Dresden, no leste do país. A Trauermarsch, ou "marcha fúnebre", ocorre todos os anos desde 1998, para lembrar o bombardeio da cidade pelas forças Aliadas no final da Segunda Guerra Mundial, em 13 de fevereiro de 1945. Foi a cidade alemã mais bombardeada pela guerra, e justamente num momento em que o conflito que já chegava ao fim.
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A cada edição, o número de manifestantes que participam do ato vem aumentando. No início, eram 200 simpatizantes "nostálgicos do III Reich". A barreira dos 1 mil foi ultrapassada em 2003.
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Três mil policiais estão destacados para monitorar o evento, especialmente porque uma contra-manifestação, de esquerda, também está prevista para acontecer na cidade.
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Original em Vermelho

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