Além do Cidadão Kane

sábado, 11 de abril de 2009

Abandonar o crescimento, abandonar o capitalismo

Pau Casanellas
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Desde o seu início no século XVIII, o capitalismo está intrinsecamente ligado ao crescimento, não existe um sem o outro. Por sua parte, os paradigmas econômicos forjados por oposição à escola clássica da economia, não só não têm sabido evitar a armadilha, mas indiretamente têm contribuído para perpetuar a obsessão com o crescimento nas sociedades onde o aumento de produção já não contribui para reduzir o desemprego (e, consequentemente, a pobreza), mas faz crescente a opulência à custa da destruição do planeta. Só abandonando o capitalismo pode-se escapar da armadilha do crescimento.

Se há algo que devemos reconhecer no capitalismo é o mérito de haver proporcionado as melhorias, provavelmente, mais acentuada no nível de vida do homem nos centros civilizados da Terra desde o início da história, um fenômeno que ocorre na Holanda e Inglaterra desde século XVIII. É então, no momento em que esses países começam a experimentar uma forte e persistente melhora na riqueza, quando a economia se converte pela primeira vez em matéria de estudo. Mas também devemos lembrar que só uma parte muito pequena dos habitantes do planeta vai beneficiar-se desta melhoria nas condições de vida, e que vai ser o processo de acumulação primitiva — possível graças ao perverso sistema de relações políticas do Antigo Regime —, que levou a ela.

Ao basear-se na acumulação ilimitada e maximização do lucro, o capitalismo é um sistema de produção condenado ao crescimento. No entanto, se trata de um crescimento desigual que fomenta a injustiça. A "lei de bronze dos salários", um dos princípios sobre os quais vai fundamentar-se a moderna ciência econômica, e, portanto o próprio capitalismo, postula que qualquer aumento dos salários deve ser precedido por um aumento dos lucros (da mesma forma como tinha sido o anterior processo de acumulação primitiva, que havia permitido um aumento inicial do nível de vida). A relação entre capitalismo e crescimento é tão estreita que, quando não pode crescer, o sistema mergulha na crise. Esta foi a origem da grande convulsão que teve lugar após a quebra de 1929, crise que também foi provocada, combinada com a estagnação econômica, pela geração de uma série de contradições internas (excesso de endividamento, bolha financeira).

O keynesianismo, uma falsa solução
Neste contexto de crise está começando a chamar mais atenção à falta de segurança provocada pelo capitalismo. Assim, a insegurança econômica, que durante muito tempo havia sido considerada como uma exigência fundamental da produção econômica crescente e eficiente, vai levando, progressivamente, a uma maior preocupação pela segurança, que vai se traduzir na aplicação de uma série de medidas (segurança social, subsídios, etc.) que servem para proteger o poder aquisitivo dos consumidores (fortalecendo, desta maneira a demanda interna) e impedir novas depressões. Por outro lado, a progressiva disseminação de idéias keynesianas faz com que se imponham como o principal objetivo da política econômica a curto prazo o crescimento e o pleno emprego, embora isso signifique um endividamento transitório do Estado.

Tanto as políticas keynesianas com a planificação estatal implantada desde os anos trinta do século XX, e já de maneira mais generalizada após a Segunda Guerra Mundial vai propiciar um acentuado crescimento econômico que vai gerar, nos anos sessenta, a sociedade de consumo. Tal como Galbraith se destacou neste novo cenário, a preocupação keynesiana em elevar a produção já não tinha como resposta a redução do desemprego, mas o crescimento da oferta de bens: aumentar a produção significava um aumento ainda maior da oferta de bens, e porque essa oferta pode ser absorvida pelos consumidores vai generalizar-se o pagamento à prazo e o sistema de endividamento (que foi precisamente uma das causas que levaram à quebra de 1929), bem como a publicidade.

O mais obsceno é que essa opulência convive junto com a miséria e a exploração política do Terceiro Mundo. Tal como expressava Frantz Fanon, uma das vozes de referência da periferia durante os anos sessenta, era ridículo que na época do Sputnik houvesse alguém que morresse de fome. À ânsia de melhora econômica e libertação anticolonial do Terceiro Mundo criava-se, nos países industrializados, a percepção de que um mundo sem fome e opressão já não era nenhuma quimera, mas algo tecnicamente viável: como postulava Marcuse, estávamos frente ao "fim da utopia". É esta percepção que explica em grande parte a radicalização política de finais dos anos sessenta.

Quatro décadas depois, a situação é ainda mais preocupante: apesar de a aplicação de políticas neoliberais desde os anos oitenta tem sido acompanhada por um crescimento econômico generalizado, as desigualdades entre países ricos e pobres têm aumentado significativamente (se em 1960 20% dos habitantes mais ricos do planeta possuíam 70% das receitas, em 2004, possuíam 83%; com relação aos 20% mais pobres, a sua participação na riqueza passou, no mesmo período, de 2,3% para 1.4%).

Sair da armadilha
Apesar da evidência dos números, a equação entre crescimento e desigualdade segue sem atrair a atenção dos governantes. E, apesar de algumas regras de ouro do neoliberalismo começarem a ser questionadas no atual contexto de crise, — é o caso do Banco Central Europeu, preocupado apenas pela contenção da inflação, que foi questionada pelo próprio presidente da União Européia, Nicolas Sarkozy —, não é através de um retorno à política keynesiana, — por outro lado improvável —, que se atenuarão os efeitos negativos do capitalismo e do seu irmão gêmeo, o crescimento, que nos leve à destruição do planeta (tal como nos lembra Latouche, crescimento infinito é incompatível com um planeta finito).

Para alguns, a resposta para os problemas que temos levantado passa por limitar a população mundial. É o ponto de vista, por exemplo, Jeffrey Sachs, economista e diretor do Projeto Milênio das Nações Unidas entre 2002 e 2006, que acredita que com a tecnologia disponível atualmente não é possível alimentar os 6,7 bilhões de pessoas da Terra sem gerar graves ameaças para o meio ambiente. No entanto, as evidentes restrições à liberdade que implica uma política malthusiana e os problemas sociais que podem gerar (o caso da China nos serve de advertência) faz com que não represente uma alternativa a considerar.

Tampouco os avanços tecnológicos constituem uma solução. Por um lado, porque a eficiência tecnológica dos países ricos é, em parte, devido à relocalização de uma parte da sua base industrial nos países em desenvolvimento. E, por outro, porque um aumento na eficiência tecnologica tem como conseqüência não intencional causar um aumento no consumo (o que os economistas chamam de "efeito rebote" ou "paradoxo de Jevons").

Sair da armadilha significa ir mais além, implica uma mudança radical da mentalidade e da adoção de um estilo de vida mais austero: os problemas que trazem à economia global os países em desenvolvimento com grandes populações como a China ou Índia que pretendem agora se alimentar com filet — assim expressava José María Sumpsi, Subdiretor-Geral da FAO — evidenciam que os padrões de consumo dos países ricos são insustentáveis e não podem ser generalizados. O primeiro passo que temos para dar, então, a partir de partes do mundo que vivem na opulência e com desperdício para tentar mostrar que essa conduta deve servir de exemplo, é procurar construir um sistema de produção que abandone para sempre a obsessão do máximo lucro e da acumulação ilimitada. O que significa abandonar o próprio capitalismo.
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Traduzido por Rosalvo Maciel
Original em La Fabrica

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