Além do Cidadão Kane

domingo, 12 de julho de 2009

Por que cada vez mais assalariados se dopam?


Agoniados por condições de trabalho que se deterioram e um imperativo de rentabilidade, numerosos trabalhadores, incluindo setores até agora alheios a este fenômeno, recorrem a medicamentos ou a drogas para agüentar. Uma realidade dramática que empresas e poderes públicos se recusam a enfrentar.
Dopados? No mundo do trabalho? A palavra está no ar. Sim. Por que? A resposta é simples e complexa ao mesmo tempo: agüentar, resistir. Aumentar o rendimento, em um contexto de competitividade exacerbada, inclusive entre os assalariados; um contexto em que fazer bem o trabalho não basta forçosamente para obter o legítimo reconhecimento. Comumente se faz uma distinção entre o dope propriamente dito, o dos desportistas, e as condutas dopantes, que, no entanto seguem o mesmo esquema: a busca de “máximos rendimentos”, físicos ou intelectuais.

Michel Hautefeuille psiquiatra do Centro hospitalar de Marmottan, em Paris, prefere falar de “dopagem cotidiana” (1). Em sua opinião, até o final dos anos 90, “a dopagem no trabalho afetava sobre tudo aos quadros, das finanças, da informática, do negocio de espetáculo, aos jornalistas também. Desde há dez anos, o fenômeno se tem estendido a todo o mundo: carteiros, professores, mensageiros, comerciários, vigilantes e operários.”

Estrategia de defensa.

Que fatores provocaram este crescimento? “é necessário ligá-lo com o sofrimento no trabalho, o aumento de ritmos e de movimentos, as dificuldades, a diminuição do tempo de descanso, do coletivo, brevemente tudo o que eu chamo “subemprego”, analisa Jean François Naton, responsável da CGT trabalho-saúde. A dopagem é uma resposta a tudo isso, uma estratégia de defesa, de fuga dos trabalhadores.” A esta competição crescente se soma outro fator: o consumo excessivo de medicamentos – A França é campeã européia no consumo de psicotrópicos -, o que Michell Hautefeuille denomina “a resposta farmacológica aos problemas cotidianos”. Porque se trata de produtos dopantes, e não de álcool ou de café, exceto em muito altas doses. Quais? Os medicamentos sobre tudo. Ansiolíticos, antidepressivos, em uma primeira fase. Muitos não passam daí. Mas alguns aumentam as doses, tomam outros comprimidos para corrigir os efeitos dos primeiros. “O terceiro grupo que tenho assinalado compreende as pessoas que passam às drogas pesadas, lícitas ou não: anfetaminas, cocaína, cafeína em comprimidos, explica Michel Hautefeuille. Um comprimido equivale a cinco cafés expressos. Alguns de meus pacientes tomam entre dez e quinze comprimidos por día¡” Nada a ver com o "ligado" à máquina de café.

Cachorros policiais.

Ficam em suspenso dois assuntos: a parte dos trabalhadores afetados pelo fenômeno e, sobre tudo, o levar em consideração de tudo isto pelas empresas e os poderes públicos. De fato, estas duas questões estáo ligadas. Porque, se não há um estudo oficial, é fundamentalmente porque o MEDEF (a patronal francesa NDT) e o Ministério do Trabalho são muito reticentes para reconhecer e lutar contra esta dopagem. “Porque funciona! Em curto prazo, a pessoa rende mais, e todo o mundo tira proveito. Ainda que o fenômeno seja quantificável, não está quantificado. Que não haja dados é uma escolha dos poderes públicos.” Em seu consultório, os pacientes afetados estão em claro aumento. Um estudo levado a cabo pelo doutor Michel Niezborala, médico do trabalho em Toulouse, demonstra que um de cada três assalariados havia recorrido a medicamentos para fazer frente às dificuldades profissionais, o que deixa vislumbrar a amplitude do problema. Jean François Naton insiste: “ É preciso fazer reconhecer ao MEDEF que são as condições de trabalho, a intensidade e a densidade do trabalho, o gerenciamento da empresa através do medo e da submissão as coisas que provocam estas situações. Nosso papel é projetar o debate. E a resposta não deve ser por cachorros policiais atrás dos trabalhadores.”

(1)- “Dopage et vie quotidienne” Éditions Petite Bibliothèque Payot, 2009.
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Original em L'Humanité

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