Além do Cidadão Kane

sábado, 15 de agosto de 2009

Sobre a SIDA não tem quem escreva

Lynette Lee Corporal

A pequena presença dos principais meios de comunicação no Nono Congresso Internacional sobre SIDA na Ásia e no Pacífico e a mentalidade moralista dos jornalistas refletem as dificuldades que apresenta a cobertura midiática da pandemia, segundo analistas na reunião.

A ausência dos principais meios de comunicação à maior conferencia da Ásia sobre a pandemia expressa o fracasso estrondoso do quarto poder em seu desempenho como uma boa fonte de informação, assinala Trevor Cullen, diretor de jornalismo da Universidade Edith Cowan, da Austrália.

“O problema é que há muito poucos jornalistas dos principais meios presentes no congresso. Oitenta por cento da população não recebe as noticias das revistas especializadas nem dos informativos de investigação, às obtém dos meios”, assegurou Cowan em uma sessão sobre a cobertura que fazem os meios sobre o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e da enfermidade que causa, a SIDA.

O Congresso, que começou no domingo dia 9, realizou mais de 100 sessões até quinta-feira 13, mas só uma sobre os meios. Isso “não é nada bom”, sustentou Cowan.

“É lamentável que só se tenha realizado uma pequena sessão neste congresso internacional de mais de 3.000 pessoas”, declarou Cullen frente à trinta presentes na sala, um número que logo caiu a menos de 20.

Cullen, que investiga a cobertura jornalística sobre a SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) há 12 anos, criticou a “falta de imaginação e iniciativa” dos principais meios. “Na Austrália, por exemplo, não se vêm noticias sobre HIV/SIDA a menos que sejam absolutamente sensacionais”, completou.

Em meados dos anos 90, ou mais de uma década depois de que se registraram os primeiros casos de HIV, o HIV/SIDA já se havia convertido “em uma noticias a mais entre as de saúde”, garantiu.

Michael Tan, colunista do diário filipino em inglês Philippine Daily Inquirer e presidente do departamento de antropologia da Universidade das Filipinas, também se referiu à interpretação que fazem os meios de comunicação sobre a pandemia.

“O problema já não é o uso de um vocabulário adequado. Os jornalistas sabem como ser politicamente corretos nestes dias, mas seguem utilizando a mesma mentalidade moralista” assegurou, em referencia específica ao caso das Filipinas.

“Fará falta mais do que palavras para reformular suas mentalidades sobre gênero e sexualidade”, disse Tan em uma conferencia de imprensa na terça-feira. Rosalia Sciortino, professora adjunta da Universidade de Mahidol na Tailândia, lamentou o pequeno número de jornalistas na conferencia imprensa, em uma sessão plenária sobre as desigualdades sociais que fomentam a expansão do HIV.

As autoridades do congresso organizaram mais discussões em torno de temas associados aos aspectos biomédicos para criar consciência pública sobre os contextos sociais que negam aos grupos mais vulneráveis a assistência que necessitam.

“Também queríamos concentrar-nos na dinâmica do poder” em torno do HIV/SIDA, disse Sciortino. Os meios de comunicação cobrem com demasiada freqüência o HIV como um tema de saúde, quando é muito mais do que um fato médico, científico ou sanitário, acrescentou.

Cullen manifestou que os meios de comunicação “omitiram os por que e os como” em sua cobertura do HIV/SIDA.

Se os meios de comunicação não interatuam de maneira significativa com a temática, a situação seguirá perpetuando-se, sustentou Imelda Salajan, consultora de meios de comunicação da organização não governamental (ONG) On Track Media, com sede em Jacarta.

“A divulgação do tema deveria ser prioritária. Mas na verdade, os doadores dispensam muito pouco orçamento para a divulgação. Isto não deve ser algo puntual. Os meios de comunicação devem pensar em uma estratégia de longo prazo, e existem formas criativas de fazê-lo”, afirmou.

Syed Qamar Abbas, administrador do programa de controle da SIDA da província de Sindh, Paquistão, sugere o uso de ferramentas criativas para chegar ao público. “Os métodos inovadores, como os filmes para televisão, são eficazes para mudar as atitudes e os estilos de vida”, assegurou.

“Em nossa investigação, descobrimos que este tipo de filmes tem um impacto 30 por cento maior que a forma tradicional de apresentar as noticias ou os temas”, acrescentou.

Por outra parte, representantes de rádios comunitárias e por cabo apresentaram resultados positivos nos esforços para criar consciência sobre HIV/SIDA.

Nalamdana (”Estás bem?” em tâmil) é uma ONG que realiza um popular programa de radio por cabo em um hospital público de Tâmil Nadu, estado do sul da Índia. O programa pretende criar consciência e reduzir o estigma das mulheres submetidas ao tratamento anti-retroviral no hospital.

“Percebemos uma resposta positiva das mulheres no hospital”, assinalou o diretor do projeto Nalamdana, R Jeevanandham.

“Empregamos o radio por cabo para tratar a depressão das mulheres e permitir-lhes o acesso ao assessoramento especial. Também enviamos mensagens através de canções e obras dramáticas que abordam temas de HIV/SIDA”, disse, e acrescentou que há conselheiros disponíveis para discutir a enfermidade no ar.

Mas tratar o HIV/SIDA nos meios de comunicação alternativos como a radio comunitária nem sempre é fácil, devido aos mesmos fatores culturais e religiosos que limitam a discussão pública sobre a pandemia.

“Ainda há muita gente, sobre tudo no meio rural, com escasso ou nulo conhecimento sobre o HIV/SIDA. As comunidades estão presas pela moralidade e pela religião. Por isso nunca segue adiante a discussão. Persistem as duvidas e os temores de romper com as tradições culturais e discutir temas que são tabus”, disse Dina Listiorini, da Universidade Atma Jaya, de Yogyakarta, Indonésia.
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Original em Ipsnoticias.net

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